Inventando: "Acerto de contas"

A cena a seguir vem de uma história que eu criei há alguns anos já, com personagens pelos quais eu tenho um carinho imenso. Sarah sempre foi apaixonada por Paulo desde a adolescência. Cresceu, virou bailarina, seguiu seus sonhos. Mas nunca esqueceu esse amor. Só que, além de sempre ter sido apaixonado por Catarina, de quem se desencontrou muito jovem, Paulo nunca imaginou que Sarah o amasse, e encontrou pela sua vida Nadja, que acabou nutrindo por ele um amor doentio, recheado de crises de ciúmes que estragaram tudo. 
Na cena, Sarah e Nadja se encontram para acertar as contas e se desafiar. Agora, Catarina não é mais empecilho, pois ela já não vive mais. As duas vão finalmente disputar o amor dele, e nenhuma delas está disposta a ceder. Sarah conhece bem a força da adversária, e sabe como lidar com isso. 
Boa leitura! 

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CENA - SALA DE TREINO DO BALLET / TARDE / INTERNA 

NADJA (alta, magra, 34 anos, cabelos lisos na altura das orelhas) entra. A sala está vazia, apenas com SARAH (mais baixa, 30 anos, cabelos longos e levemente ondulados, corpo de bailarina) ao centro, alongando-se. Nadja faz menção de ir até Sarah, mas se detém. 

SARAH 
Pode entrar, Nadja! Eu não vou brigar, por mais vontade que eu tenha. Mas não preciso, né! 

NADJA 
Pra que você me chamou aqui? Olha, se é para vir com aquela ladainha sobre o Paulo, vou embora agora mesmo. Não me interessa o que você pensa. 

Sarah se levanta, calmamente, pois está voltando do alongamento. (Importante: Ela se levantar muito rápido quebra a verossimilhança). Ao ficar de pé, ela vai andando ao encontro de Nadja dizendo: 

SARAH
É sobre o Paulo sim. Nem poderia deixar de ser, porque eu acho que não temos mais assunto nenhum em comum além dele. 

NADJA 
(Leve sorriso) 
Pena que eu não o disputo contigo. É como naquela lição de moral: “A Sarah ladra, e nossa caravana segue em frente, feliz”. Você não é páreo pra mim. Desculpa destruir suas ilusões, querida. 

SARAH 
Não disputo ninguém. Nem preciso, na verdade. Mas não esteja tão certa do seu “imenso” poder, ok! (Pausa) Bom, é o seguinte... Eu quero que você mantenha distância dele e do bebê. Paulo não precisa de alguém como você para atrapalhar mais uma vez a vida dele. 

NADJA 
A amiguinha tá virando heroína? Essa é aquela hora que entra a trilha sonora, ao fundo, quando a Super Sarah decide salvar o mundo. Ah, me erra. 

SARAH 
(Mais séria) 
Eu não estou brincando. 

NADJA 
(Encarando) 
E eu o amo! E eu não tenho medo de você. (Pausa) Sarah, é sério, tá ridículo. Assume de uma vez por todas que você quer disputá-lo comigo, ou deixe a gente em paz. Esse papelzinho de melhor amiga não convence mais. A mim nunca convenceu, pra te ser bem sincera. 

SARAH 
Olha como você está falando. Não cansa de repetir isso. Paulo não é uma mercadoria exposta num mercado pra nós duas disputarmos. E depois do que você já fez, não estranhe se EU estiver na frente dessa “disputa” que você tá inventando. 

Nadja gargalha. 

NADJA 
Não... Você é muito engraçada, Sarah. Se não fossem nossas diferenças, seríamos muito amigas. 

SARAH 
Não seríamos. Eu não sou amiga de pessoas sem escrúpulos. (Pausa) Olha, Nadja, o recado tá dado. Experimenta voltar a fazer mal ao Paulo... 

Nadja fica muito séria novamente. Com um semblante muito fechado, ela se aproxima bastante de Sarah, ficando bem próxima do rosto dela. 

NADJA 
Experimente você a tentar me atrapalhar com o Paulo, baixinha. Enquanto a Catarina era viva, eu não podia fazer nada, pois esse amor maluco dele por ela era imbatível. E só eu sei o que sofri por isso... Mas eu destruo você como se esmaga uma formiga, se ficar no meu caminho. 

SARAH 
(Igualmente séria e mais desafiadora) 
Tente! Eu vou ter o maior prazer do mundo quando te colocar no seu lugar de lixo. 

As duas se olham, imóveis. Depois de algum tempo, Nadja se afasta, vira e sai, sem olhar para trás, a pisando firme, com raiva. Sarah fica plenamente focada em Nadja até que ela sai pela porta. Então, Sarah solta um sorriso. 



SARAH 
(Para Nadja, alto) 
Vai pela sombra, viu! 
(Pausa... para si) 
Ela está menos segura do que eu imaginava. Essa aí é presa fácil. Não vou deixar o Paulo cair outra vez na armadilha disso. Não vou mesmo. 

Tranquila, como se nada tivesse acontecido, Sarah volta ao seu ensaio, fazendo movimentos básicos de ballet.

CORTA:

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